Tem-se o entendimento de que no direito falimentar, a sociedade empresaria tem a possibilidade de recuperação ao se detectar que ela estaria caminhando de maneira inadequada em sua gestão financeira, a lei deve lhe proporcionar meios para que haja uma intervenção de modo que seria possível aplicar o remédio necessário para dirimir ou sanear o agravamento da situação.

Na medida em que a empresa tem relevante função social, já que gera riqueza econômica, cria empregos e rendas e, desta forma, contribui para o crescimento e desenvolvimento socioeconômico do país, deve ser preservada sempre que possível.
Assim determina o artigo 47 da atual Lei de Recuperação e Falência.

Art.47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estimulo à atividade econômica.

Vale ressaltar que a previsão legal contida no artigo 47 da Lei Falimentar, teve como pretensão por parte do legislador a manutenção da atividade. Na Lei Falimentar, existem vários artigos, onde há previsão da manutenção da atividade ou a continuidade da empresa, mesmo no caso de falência, como disposto pelo artigo 75.

Art.75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.

O legislador quando da transcrição deste artigo, deixou claro que o objetivo da empresa é manter sua função social e que a falência seria a última alternativa para uma empresa em crise.

Pelo entendimento de Waldo Fazzio Junior

Alimenta a pretensão de conservar a fonte produtora e resguardar o emprego, ensejando a realização da função social da empresa, que afinal de contas, é mandamento constitucional. (FAZZIO, 2005, p. 125)

De acordo com os autores do projeto que deu origem à Lei nº 11.101/05 – Lei de Recuperação e Falências, um dos objetivos que animou a sua edição foi o de conferir segurança aos aplicadores de capitais, nacionais e estrangeiros, concedendo-lhes assim garantias mais eficientes do retorno de seus investimentos, fazendo com que a classificação desses créditos esteja em uma situação que produza o menor risco possível, visando assim por parte do legislador, a redução das taxas de juros, estimulando o crescimento econômico do país.

Para alguns doutrinadores fica evidente que a aprovação da nova lei, é o resultado de pressões vindas de setores da economia, não podemos negar que há determinados setores que fazem das suas pressões um meio de ser ouvido de forma mais determinante.

Esta situação ocorreu quando da elaboração do projeto da nova Lei de Recuperação e Falências, que tinha como cunho principal o objetivo de tão somente, recuperar as empresas, contudo, dentre as várias modificações que sofreu ao longo desses dez anos, veio a sofrer uma pressão muito grande por parte de empresários do seguimento bancário, com certeza um dos ramos de atividade mais importantes da nossa economia.

No entendimento de Waldo Fazzio Junior, por mais que se preconize a especial atenção que se deve conceder à função social da empresa, o fato é que a Lei de Recuperação, contextualmente, prioriza os interesses dos credores. (FAZZIO, 2005, p. 127)

Diante de tal circunstância, a lei passou a ser criticada por uma parte da sociedade, pois diziam que, o objetivo principal de fato, era salvar o capital investido pelas instituições financeiras e de forma irônica, por algum tempo a lei não era mais chamada de “lei de recuperação das empresas”, mas de “lei de recuperação do crédito bancário”.

A argumentação dada pelos empresários favorecidos na lei “os banqueiros” é que em qualquer lugar do mundo capitalista, a recuperação de qualquer empresa dependia de financiamento e as únicas empresas que podiam oferecer este tipo de crédito eram as instituições financeiras.

Ainda de acordo com esta corrente não basta apenas à entrega dos valores a serem financiados, mas que os juros oriundos desta operação não sejam abusivos, e que um dos elementos que influenciariam a avaliação de crédito e consequentemente os valores de juros cobrados e por fim eventual avaliação de risco, era a ideia de que quanto menor o risco, menores serão os juros cobrados.

Nesta linha de pensamento, verifica-se que os créditos com garantia real, que no Decreto-lei de 45, eram classificados depois dos créditos tributários, passaram a receber privilégios em relação a este, de acordo com o artigo 83, inciso II e III a seguir transcrito:

Art.83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I-(…)
II- créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III- créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;

O mesmo ocorre com os credores com garantia fiduciária ou arrendamento mercantil, normalmente instituições financeiras.

Para os mais críticos, o entendimento acerca da na nova lei, no que pese as vantagens concedidas aos bancos e outras instituições financeiras, fica difícil acreditar que os juros seriam reduzidos em prol do desenvolvimento econômico e social do país.

Mas se de um lado o capital financeiro não abriu mão dos seus privilégios perante a nova lei de falências, o ente público tributário “o fisco” também fez o mesmo, pois determinou na redação do artigo 57 da lei, que somente poderá fazer o pedido da recuperação judicial, a empresa que além de outras regras previstas, também juntar ao processo todas as suas certidões negativas de tributos. (BRASIL. Lei nº 11.101, 2005, Art. 57)

Evidentemente a lei deixou para trás parte do seu principal objetivo, veio a favorecer as instituições financeiras e o fisco, ambos sem grandes sacrifícios para recuperar seus créditos,

Não obstante as críticas encontradas acerca da nova lei, é evidente que existe uma serie de boas disposições, todas elas que merecem seu devido destaque, seja ela na falência ou na recuperação judicial.

Autor: Marcelo Querino de Assis
Advogado, contador, graduado na universidade Metodista de São Paulo, com atuação na área empresarial, tributaria e civil, mestre em controladoria internacional pela FECAP SP, sócio-diretor da Apta Consultoria Contábil.